Talvez a morte que mais me abalou, depois da de minha mãe, tenha sido a do pastor Humberto. Nós havíamos servido na mesma igreja, mas ele estava morando em outra cidade quando acidentou-se. Quem tomou conhecimento dos detalhes do acidente reconhece que ele ter sobrevivido foi um milagre. No dia de seu aniversário, ele percebeu que a esposa estava preparando um “aniversário surpresa”, então resolveu deixá-la mais à vontade e saiu. Um caminhão fechou sua moto e o acidente aconteceu.
Algumas escoriações, nada demais, foi o diagnóstico inicial. Depois, constatou-se a necessidade de uma cirurgia no joelho. Veio para Brasília. Sua irmã, com quem tinha rompido relações havia algum tempo, fez questão de hospedá-lo e cuidar de sua recuperação. Ter sobrevivido ao acidente pareceu-me um milagre necessário. Ele precisava de outro milagre: reconciliar-se com sua irmã.
Por um mês inteiro, não consegui visitá-lo. Numa segunda-feira levei a família ao cinema, esperando encontrar as salas menos cheias. A sessão estava esgotada. Voltamos meio frustrados e, na nossa volta, passamos perto do endereço. Foi a nossa chance de visitá-lo. Ouvimos o seu relato, nos alegramos com a reconciliação, festejamos sua recuperação e assistimos no seu celular os vídeos de sua garotinha, com um ano de idade, que ele fez questão de mostrar. No dia seguinte, um coágulo se desprendeu da operação no joelho e causou uma embolia pulmonar. Chegou no hospital já em coma e morreu dias depois.
Sua morte foi a que mais me tocou, mesmo comparada à de minha mãe. Perdi minha mãe aos dez anos, quando ainda não tinha discernimento suficiente para entender a extensão dos fatos. Agora, a realidade da morte me atingia como um soco no estômago. Aquele amigo que ontem sorria comigo, hoje estava distante, inacessível. Possivelmente prestando contas de suas escolhas diante de Deus.
Impossível deixar de ponderar sobre a brevidade e transitoriedade da vida e de pensar na minha própria condição de mortal. Não havia como evitar fazer uma revisão dos meus próprios caminhos e tentar imaginar o que Deus estaria me dizendo agora, se fosse eu quem tivesse partido. A sensação de inutilidade, a consciência do meu estado de rebeldia e desobediência foi o sentimento que prevaleceu, sufocando até mesmo o sentimento de dor e de perda.
Inúteis, desobedientes e rebeldes, é isso que somos. Vez após outra cometemos os mesmos pecados, prometemos a Deus e a nós mesmos que essa foi a última vez e, em seguida, caímos novamente no mesmo buraco. Como temos falhado em fazer o mínimo para o reino de Deus! E, quando fazemos, fazemos de má vontade, procurando desculpas para nos omitir.
Como poderemos encarar o justo Juiz? O que temos para oferecer a Deus em troca de todos os seus benefícios? Parece ter sido esse mesmo sentimento que levou o autor dos Salmos a se expressar da seguinte forma: Que darei eu ao SENHOR, por todos os benefícios que me tem feito? Tomarei o cálice da salvação, e invocarei o nome do SENHOR. Pagarei os meus votos ao SENHOR, agora, na presença de todo o seu povo. (Salmos 116:12-14) O que nos conforta é estar ciente de que Deus nos conhece profundamente. Como pai, Ele não espera de nós mais do que podemos oferecer. É o que deduzimos da resposta que o próprio salmista nos apresenta. Resumindo, aceitar a salvação que Deus nos oferece, reconhecê-lo como Senhor da nossa vida e tornar conhecida a Sua bondade. Parece um bom resumo do que significa ser cristão.
O versículo seguinte soa fora de contexto: “Preciosa é à vista do SENHOR a morte dos seus santos."[1] Primeiro, preciso me incluir em santos, baseado no que a Bíblia diz[2], então, procurar entender o que está sendo revelado aqui pela Palavra de Deus. Depois de nos tranquilizar sobre o que Ele espera de nós, o Senhor literalmente exclama: “Estou contente de recebê-lo em minha casa!". Sim, a vida continua sendo fugaz e passageira, mas temos uma apólice de seguro. Deus não nos abandonou à mercê de nossa própria insegurança. Ele mesmo é a resposta. O caminho, a verdade e a vida[3]. O que Ele tem reservado para nós não merecemos, nem podemos pagar, nem sequer imaginar[4]. O que vier às nossas mãos para fazer, façamos conforme as nossas forças[5], não com relutância nem como obrigação, mas por gratidão. Caminhemos sem o peso da culpa, certos de que o sangue de Jesus Cristo, o Seu filho, nos purifica de todo pecado[6].
Então, ainda que a dor nos apanhe de surpresa e a saudade de nossos entes queridos que partiram seja quase insuportável, podemos nos consolar na esperanças de que em breve os veremos. Onde a dor e a separação não terá mais lugar, pois Jesus ofereceu a sua vida, para que também pudéssemos viver.